sexta-feira, 3 de julho de 2009

Segunda crónica


Ora, continuando no faz-de-conta, já cá estou de novo junto dos senhores, depois de umas merecidas e retemperadoras férias no Algarve. Andei a fazer pesquisas por essa net acima, ouvi relatos de amigos e conhecidos, e estou em condições de elaborar uma cronicazita algarvia. Vejamos o que sai.


Viajar de comboio é bom. Tem um cheirinho romântico e aventuroso. Assim pensava a criatura até chegar à estação de partida. O verão antecipado ameaçava calores demais para o seu gosto. Em volta, as pessoas tinham as caras fechadas de quem guarda as forças para uma corrida de fundo. Desconfiou. Teve pressentimentos de que a coisa não seria tão agradável como sonhara. "Já lá vem o trém", soou-lhe em sotaque brasileiro. E vinha. Empurrando uma massa de ar quentíssima. Pensou, em sotaque português, "Lá dentro é que vai ser bacano. Ar condicionado. Cortina bonita. Bagagem leve, leve." Ainda no estribo, ouviu "o ar condicionado não funciona nesta carruagem". Deu por isso, deu. Aviário foi a palavra que lhe ocorreu. Começaram as discussões, os movimentos desordenados de pés de gente e de rodinhas de trolleys. Um senhor meio fardado, suado, dizia "é melhor passarem para a carruagem número 25. Lá está-se melhor". Quase todos passaram, abrindo a custo portas entaladoras e dançando sobre estrados articulados, em movimentos imprevisíveis. Na 25 já estava gente e levantou-se no ar quente, quente, uma estranha letra de protesto "esse lugar é o meu", "isso é que era bom", "chamem o funcionário", "isto só neste país", "daqui já não mudo", "olhe que me está a aleijar com a porcaria da mala". O funcionário, suado, apareceu e as coisas começaram a acalmar. O ar condicionado funcionava, sim, mas só do lado direito de quem está virado para a locomotiva. Do outro, nicles. Por isso, talvez, em cada curva o comboio pendulava mais que a conta. Quando a meio do caminho, o funcionário, já menos suado, disse "quem tiver pouca bagagem, pode passar para a primeira classe", a criatura que tinha bagagem leve, leve, levantou-se, cambaleou o menos que pôde, e foi instalar-se na primeira classe, fresquinha, fresquinha,com o seu bilhetito de segunda categoria. Paraíso, pensou. Mandou um SMS à família "chego às tantas em primeira classe". Na estação de chegada, a família lá estava, de máquinas fotográficas em riste. Hoje olha embevecida as fotos do desembarque glorioso. Já esqueceu o calor "de suar as estopinhas", como diria a sua falecida mãe. "Isto só neste país", é o que costuma ouvir-se.


Gostaram? Ainda bem.Se não, por amor de Deus, não façam aquele gesto com os dois dedinhos indicadores espetados dos lados das próprias testas. Isto só neste país, carago!!

17 comentários:

mariam [Maria Martins] disse...

Dona Tela,

gostei muito! e RI!
Olhe, certa vez vinda de Castelo Branco, de comboio, ao meu lado vinha um senhor com uma galinha viva dentro de um cestinho de verga rsrs... e... cacarejava rsrs

então bom regresso!

deixo uma mão-cheia de cerejas e o meu sorriso :)
mariam

nota:já estava com saudades deste 'Universo' tão especial... mas tive alguns problemas informáticos rsrs

Graça Pires disse...

As suas crónicas são "gostosíssimas" Dona Tela. Também gosto de andar de combóio. Obrigada por repartir a boa disposição. um beijo.

Maria P. disse...

Sempre em cima do acontecimento, mesmo gestual!...

:)Beijinho Dona Tela.

São disse...

Gostei, sim.

E quanto a gaffes, Carlos Borrego (PSD) fez ainda bem pior, não se lembra?

Um feliz final de semana.

Maria disse...

Dona Tela

Gosto muito mais assaz bastante do novo visual do blogue. Tudo o que tiver mar é fresco. Este blogue está mais fresco, portanto.
E depois a Senhora recém chegada de férias está "em cima" (salvo seja) do acontecimento! Nem eu queria acreditar... Enfim, nem a "primeira classe" que nos desgoverna nos salva...

Seja bem regressada, pois claro.

Um abraço, Done Tela

Anônimo disse...

Dona Tela:
Fiquei pasmada com a velocidade das informações!!! Então a Senhora ia para o Algarve em II classe; por avaria do ar condicionado e condicionada à sua pouca bagagem, passou para primeira; e no desembarque apareceu logo na TV o senhor com os dois dedinhos no ar para a Senhora passar para a
II??
Rapidez...
Adia

Táxi Pluvioso disse...

No meu tempo não havia Air Conditionated para o Allgarve. E, um gesto chocante, não era o de Pinho, mas o dedo indicador, circundado pelos outros, encolhidos.

Mas não deixei de rir muito, quando as virgens ultrajadas do país, se levantaram chocadas, defendendo que a Assembleia da República é uma igreja. Enfim, é só rir. Bom Domingo.

Rosa dos Ventos disse...

Desculpa ainda não ter dado pelo novo visual, de acordo com a estação do calor, salvo seja, hoje, aqui, já choveu!
Gostei da crónica...
Há que séculos que não ando de comboio!
Nem sequer os vejo passar!

Abraço

WOLKENGEDANKEN disse...

Aguardo a continuacao :))

Excelentes ferias em casa que tambem tem os seus encantos :))

vida de vidro disse...

E venham mais crónicas tão gostosas como esta! Mantenha-se atenta aos relatos dos amigos e conhecidos. E depois diga-nos a nós que andamos a precisar de rir... **

casa de passe disse...

Mas onde é que a senhora foi descobreir semelhantes chanatos?

Oiça, venha até à nossa casa que lhe emprestamos uns sapatitos que alguns clientes nos levaram e que não nos servem.

Achamos que são mais bonitos do que esses!

Abração

LOULOU

Arábica disse...

Telinha

aventuras e desventuras de uma mulher de férias!

Deixe lá, poderia ter sido bem pior, como partir o pulso dos dedinhos em riste à 7ª hora do inicio das férias :)

Põr-me ao fresco, tem vindo a transformar-se numa máxima minha desde então...mas a verdade é que o gesso é dificil de despir :))


Beijocas!

PS_não há fome (de fresco) que não dê fartura :)

Manuel Veiga disse...

e combóio chegou dentro do horário, Dona Tela? sortuda...

meus parabéns. imagino-a, gloriosa, a descer em primeira classe... com os dedinhos na testa!

beijinhos.

bettips disse...

Por isso...andam todos a dizer que é preciso "dar as mãos, solidárias"...!
Sempre me parece mais higiénico dar os pés, como na foto, que as mãos andam sabe-se lá por onde e em que cabeças ... e ficamos todos assustados alavar-larvar-lavar por causa das aves ou porcos ou qualquer coisa que se come e passa para gripe: -graças-adeus que a dona Telinha não foi para espanha, que os espanhóis em gripes são de arrasar milhões, tipo bancos, a minha avó coitadinha resistiu "à espanhola" e assim também o meu avô que não era de estrangeirices, ou não estaria eu hoje para aqui a escrevinhar-lhe; e é que já ninguém se lembra que tal como a outra se supõe ter vindo do kansas, esta veio do méxico e duma plantação de porcos duma multi parece-me que estado-unidense. E com esta conversa toda nem reparei que a dona chegou em 1ª onda aos allgarves e está de volta, de refluxo, sã como um pêro e pronta para as batalhas que se aproximam (não vale insultar e muito menos se estiver a ser filmada, fotografada ou telemoblada...)
Abraços de longe que também aconselham a não haver físico-contacto com gentes doutras paragens. Fique-se na sua que eu fico-me na minha!

Justine disse...

Ai Senhora Dona Tela, a sua crónica só me deu ainda mais vontade de não sair do meu cantinho aldeão!!
Portanto, concluindo, gostei sim e não vou fazer nenhum gesto:))
Abracinhos apertados

M. disse...

Deliciosa a sua crónica.

Zica Cabral disse...

eu adorei ............... e que luxo..........primeira classe?? Ar condicionado??? Muito bem assim sabe mesmo bem viajar..........mesmo que seja para o Algarve.
Por aqui chove............esta calor (não o caloraço portugues, graças a Deus) mas chuvisca. Antes assim que a terra precisa e, como estou a trabalhar tb nao me importo com umas pingas de chuva. E faz bem à terra que ja estava sequiosa.
Vou ler mais D. Tela. Tenho andado muito afastada dos blogs por asoluta falta de tempo........praticamente nem no meu tenho escrito
Um beijinho e parabnes pela cronica
Zica