sexta-feira, 29 de maio de 2009

A minha primeira crónica

Se os senhores não se importam eu hoje vou escrever UMA CRÓNICA.

Aí vai:


A senhora chegou com a cadela muito grande e muito velha. Disse-lhe Senta, Santa! Senta, Santa! e depois para quem estava nas outras mesas da esplanada Está surda, coitadinha. E gritou Senta, Santa! A Santa sentou-se. Depois a senhora disse para a empregada Que bolos tem? A empregada ficou calada, a pensar. E a senhora disse Tem bolos de arroz? E a empregada disse Não! mais com a cabeça do que com a fala. A senhora continuou Tem queques? A empregada disse Sim! com a voz. A senhora disse Então traga. E um chá. Tem chá de quê? A empregada disse dois ou três nomes, em voz baixa. E a senhora disse Esse mesmo. Traga. A Santa continuava sentada. Antes da empregada chegar à mesa, a senhora gritou Nunca mais cá venho. Chá numa caneca. Não. E preta. Isso é que nunca. Que horror! A empregada parou com a caneca preta na bandeja. A senhora disse Ponha aí. Eu vou beber, mas fique sabendo que não volto cá. Um chá deve vir em cafeteira. A empregada disse Eu trago outro chá. A senhora disse Não. Hoje bebo assim. Segundos depois gritou Que horror. A água está morna. Não sabe a nada. E disse para a mesa do lado Não ferveram a água. Eu tenho de dizer. Para aprenderem. A empregada ouviu, foi lá dentro e quando voltou trazia um chá a ferver num bule de metal. A senhora arreganhou um sorriso e disse Pronto. Está bem. Assim é que é. Quando começou a vazar o segundo chá na nova chávena, disse Apre! Assim também não. Desviou a perna para não ser queimada pela água que escorria antes da chávena. A Santa deu um grito de cadela, levantou-se e correu até ao fim da trela. A senhora gritou Nem oito nem oitenta. Santa, meu amor, senta!

Eu levantei-me e vim a correr escrever esta crónica que é a primeira de uma série que não sei se terá segunda.


Espero que esta conversa vos tenha ajudado a esquecer as histórias tenebrosas dos procuradores de provedores de governadores de inspectores de directores que ladram como se um chá a ferver os tivesse atingido nos quartos traseiros. Mas eles que se cuidem que um dia uma pobre empregadita vai-se vingar. Eu seja cão!

20 comentários:

Maria disse...

Adorei esta crónica, dona Tela. O chá devia estar ainda mais quente. Bolas...
:)))

Um beijo

Rosa dos Ventos disse...

Crónica bem divertida e a ferver, para a senhora queimar a língua; na próxima faz com que a Santa arraste a dona com a trela, estás a "ouver" Dona Tela? :-))

Abraço

Arábica disse...

Espero que seja a primeira de muitas outras. Escaldantes qb.
Politicamente falando.

Beijos, Telinha.

E chá de malagueta, haveria?

Táxi Pluvioso disse...

Então não é uma crónica da Dona Tela na alta roda das celebridades do cinema? Mediática a ser entrevistada pelo Cláudio Ramos?

A água já está a ferver para nos darem o chá, afinal não estamos em eleições? Quando acabarem poderemos bebê-lo... bfds

Alberto Oliveira disse...

.. do que eu gostei mais nesta crónica, foi precisamente o seu início. "A senhora chegou com uma grande cadela... ".

Depois perdi-me no meio da história, pois para se fazer de fina a senhora mandou vir chá...

Que venham mais crónicas destas. Adorei o conflito latente entre a personagem central e a empregada abstémia.

~pi disse...

momentos de grande tensão dramática

dona tela!

muito bem ´apanhada`

a sua história!! :)






~

Graça Pires disse...

Delicisosa a sua crónica. E como sempre bem-humorada. Que esse tais queimem a língua antes de dizerem disparates...
Um beijo.

Justine disse...

Minha cara cronista, nem tenho palavras para a elogiar em tão auspiciosa debutância! Fico , roendo as unhas, à espera da próxima aventura da Santa, com o paralelismo real subjacente(isto é para a gente não se esquecer do seu estilo habitual, Dona Tela...)

Maria P. disse...

Dona Tela,
caso para dizer: bem-haja Santa!
E muito chá precisam eles, os outros...
:))

Beijinhos*

São disse...

rrrsss rrsss " eu seja cadela", asim é que sim.

Há tempos que a não lia e gostei de o fazer de novo.


Boa semana.

vieira calado disse...

Vou fazer por isso...

abraç

mena maya disse...

A Santa é santa mas faltou-lhe a paciência própria dos ditos cujos e teve que ir dar uma voltinha porque já a estava a chatear aquela conversa de surdos, embora a surda fosse ela...

Ora cá fico à espera de mais Telinha!

Um abraço

bettips disse...

Eu acho que não era uma cadela: era um cão-bento depois de vir do beato. Pelo menos percebia-se no ar um certo cheiro de santidade.
Mas que se lhes arrepiem as peles, sim senhor - eu, e outras D. Brites, de pá do forno ou o que estiver à mão, bem que lhes atirávamos azeites. A ferver não, donaTela que me alembra a inquisição, só para escorregarem no átrio dos bancos, mármore de carrara - partindo pernas para não poderem conduzir os seus carreras.
Mais uma vez, queridadona, me adiantei e fugi à verdade verdadinha: o que eu gostava era dum five o'clock tea servido lá mesmo no sítio dele. E vez de tanto livro, umas librinhas...
Tchau bambina

luis lourenço disse...

telinha,

me soube tão bem ler a tua crónica...e as peripécias do chá e da cadela...e da empregada do café...e a postura da Dona tela Cronista...imperdível para uma fenomenologia do quotidiano...Venha a segunda...estou curioso,

beijinho,

Véu de Maya

WOLKENGEDANKEN disse...

Deliciosa historia :)) Eu tambem fico a espera de mais cronicas da sua "pluma"

Manuel Veiga disse...

a Santa promete - corre até final da trela! nada mau...

venham mais crónicas. empolgantes... e quentes!

beijinho

Táxi Pluvioso disse...

Africa.

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

Esta crónica é excelente , deliciosa, vi a senhora do chá , e até simpatizei com ela !

Espero outras muy a ferver!
Abraço
_________ JRMARTO

prafrente disse...

Dna tela quais são as suas musas inspiradoras? Ando a precisar de inspiração.

Boa continuação

M. disse...

Depois de uma ausência em que não abri a minha janela virtual, nem a sua, regalei-me com a sua crónica. Vou seguir por aí acima.