quinta-feira, 23 de julho de 2009

O gato e a crise

Por esta é que não esperavam, pois não? Nem o gato que se pôs a milhas quando me viu. Estava tentando a sorte para uns restos de comida que lhe matasse a malvada. Coitado. Assustou-se e desistiu da operação alimentar. Por respeito ao bicho, fiz um recorte na foto e cortei-lhe a cabeça, salvo seja. Estou agora a pensar que assim é que deviam fazer os senhores das televisões quando nos mostram os desgraçados que vão todos contentes buscar saquinhos de comida, feita ou por fazer, e até roupinhas que as criaturas bondosas já não querem. Alguns até gostam de ser entrevistados, nota-se. Riem e falam muito e têm aquele ar de agradecidos por a vida lhes estar a mudar radicalmente. Crise? O quê? Uns acham que na rua não se nota nada. Ainda não deram por falta de cartão nem de cobertores. "A comida? Ah lá isso, agora às vezes é preciso um chapadão naqueles novatos que aparecem a catar os contentores de madrugada à porta dos supermercados. Com um arzinho todo encolhido, a assobiarem para o lado, mas a gente bem os topa. Que acabou o subsídio de desemprego e tal, e que a mulher ganha os mínimos e sem contrato e tal, e que a prestação da casa upa upa e tal, e que as coisitas de ouro já foram para um invejoso desses novos que há por aí e tal, e que não querem deixar de aparecer na bica pela manhã para conservar a fachada e tal...". Conversas destas são uns tratados que os meninos e meninas que andam a fazer pós-graduações e mestrados em sociologia e psicologia e outras ias e tal, deviam consultar e epistemologicamente sistematizar e compilar e se a semiótica ajudar e tal, para ficarem avisados que a vidinha tem por aí muito caixote do lixo à espera de gato envergonhado. A crise? Onde? Qual? Não dei por nada.

12 comentários:

JC disse...

É verdade que há muita pobreza enapotada. Muitos não se querem mostrar. Outros mais modestos, como refere até gostam de aparecer nos telejornais. Mas a crise mais acentuada e mais envegonhada está na classe média.
Beijo

Rosa dos Ventos disse...

Mas afinal onde é que está o gato sem cabeça?
Anda por aí de cabeça perdida?
Já estava a sentir falta do teu sinal de aviso! :-))

Abraço

Justine disse...

A ironia e o humor são vias eficazes de desmistificação e de clarificação da realidade. E a Senhora bem o sabe, Senhora Dona Tela

São disse...

É, ninguém dá por nada,,,só os tarecos!

Abraço.

Graça Pires disse...

De facto também os tarecos sentem a crise. Aprecio a sua ironia, minha amiga. Beijos.

Táxi Pluvioso disse...

Futuro!

Arábica disse...

Oh Telinha, nem tudo é de visão instântanea; como convém, a crise tem prazo de pagamento alargado...

a ver vamos, como dizia o outro.


Os meus cordiais cumprimentos para a menina :))

M. disse...

O que nos vale, Dona Tela, apesar de tudo, é que nem todos os sociólogos e psicólogos estão assim tão afastados da realidade. Pelo que sei, a alguns deles entram-lhes nos ouvidos e no coração histórias terríveis a que com sabedoria e afecto conseguem, ou pelo menos tentam, dar solução. Pois que não depende só deles a solução, claro.
Também ajudaria se as televisões falassem da crise humana de um modo mais humano e menos ligeiro e comerciante.

Manuel Veiga disse...

receio que o seu texto seja uma espécie de "gato escondido com o rabo de fora..."

"epistemologicamente" falando a senhora é a incarnação da Madre Teresa!...

(corrosiva a sua ironia, Dona Tela).

beijo

WOLKENGEDANKEN disse...

E se os gatos envergonhados em vez de serem envergonhados protestassem bem alto ???

Sempre tao interessantes os seus posts. As vezes nao comento, mas sempre leio

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

Esse era um gato com vergonha , fez bem em cortar-lhe a cabeça...
os meus mais sinceros cumprimentos , minha senhora , e morte á crise já!
_______ JRMARTO

A Lusitânia disse...

Sim, a vidinha tem cá uns caixotes; umas gavetas e tais...

Gostei de te veisitar.